sábado, 18 de fevereiro de 2012

Jus'a lo o mar é o rio


Jus'a lo mar é o río;
     eu namorada irei
u El-Rei arma navío.
     Amores, convosco m'irei.

Jus'a lo mar é o alto;
     eu namorada irei
u El-Rei arma o barco.

  Amores, convosco m'irei.

U El-Rei arma navío
     eu namorada irei
pera levar a virgo.
        Amores, convosco m'irei.
 


U El-Rei arma o barco
     eu namorada irei
pera levar a d'algo.

  Amores, convosco m'irei.
Por Joán Zorro

             É uma Cantiga de Amigo – parte da amada que fala sobre o amigo; normalmente uma cantiga queixosa, é o amor não correspondido.
Jus à lo mar é o rio – até o mar onde o rio se encontra. ‘U’ é uma forma francesa que significa ‘onde’ (forma francesa será importante daqui a pouco quando trataremos de Cantiga de Amor). ‘Onde o rei arma navio’ é preparar o navio para navegação; 

‘Amores, convosco mi irei’ – ‘Amores’ está escrito “A” – é amor no campo abstrato, ela não vai com os amores dela no plural; deixe-me levar pelo ‘Amores” que eu tenho pelo amado, convosco mi irei – aqui não é propriamente uma lamentação, mas é o desejo de estar com o amado, na verdade é um desejo e não estar com ele, significa não está totalmente feliz.
                É uma cantiga paralelística porque se desenvolve em paralelo; 1º verso depois muda só a coda (última palavra), é a forma popular para “navio”. 
Rimas: 1 e 2 – aqui 1’ porque é quase igual na forma significante ‘rio’ é tomado como sinônimo de alto e ‘navio’ é tomado como sinônimo de barco. Então 1’ é igual significado de 1, mas diferente na última palavra, na coda quanto ao significante. Então paralelítica.
 
Como seria o próximo verso da outra estrofe? R1 que é o refrão – que, normalmente vem no fim da estrofe – aqui nós temos um caso incomum de refrão: entremeado entre o disco (dois versos). Então, disco e refrão entremeando.
Qual é o próximo verso, é possível saber? Não, é um verso novo, eu sei que vai rimar com navio.

“pera levar [des] a virgo
“Amores, convosco me irei”.

[des]: isso vai acontecer muito na literatura medieval porque os documentos eram feitos pelos copistas, a profissão deles era justamente copiar documentos. Muitas vezes eles sequer sabiam o que estavam copiando ou não entendiam, ou copiavam sem querer entender; então, muitas vezes eles pulavam alguma coisa, não escreviam corretamente, e, esse refazimento do documento que era feito com essa cautela: [  ].
Aqui deve ser “Levardes vós amores” – porque a forma de tratamento é vós amores convosco mi irei; assim, para vós levardes; esse des é necessário em relação ao ritmo também, por isso é bem certo que deveria ser ‘levardes’, mas por cautela, quem refez colocou em [  ], significando que não está no original mas, é bem possível que tenha sido assim.
Quando eu disse que aqui viria um verso novo, sabíamos que a última palavra tinha que rimar com ‘navio’.
Há rima?
A rima é consoante: Quando a consoante também rima – abacate/chocolate – não combina, mas rima. É a rima mais comum.
A rima é toante: Quando só as vogais rimam.
Na época era a considerada mais importante: navio/virgo.
Outra estrofe: 2’ – rima toante: barco/d’algo. 
Fidalgo: Filho de alguém importante – d’algo significa que não é um qualquer, é uma pessoa de ascendência importante.
Poderia se alongar? Indefinidamente, certo? Parecendo o quê? Um desafio. Os violeiros vão cantando indefinidamente até cansar.
Que graça tem essas cantigas? Está subentendida a história. Ela está disposta a largar tudo e embarcar no navio; quer escândalo maior? Naquela época, estar armando navio era recrutando pessoas, os navegantes em geral são aventureiros e ela evidentemente não vai atrás dos navegantes, mas, de alguém que ela julga importante, e ela diz: - eu namorada irei convosco porque eu amo e o resto não importa; se vou ficar lá sozinha com você no meio de 500 homens... nem tanto!
Percebemos que é uma mulher tomada pelo amor de tal maneira, que, ela se propõe a contrariar toda a sociedade da época e é exatamente isso ela repete o tempo todo; refrão 1 e 2 (eles na verdade têm o mesmo sentido: no R1 = cheia de amor e no R2 = cheia de amor irei. A única palavra que propriamente é diferente no R2, é “convosco”, então, é a ideia dominante, obcecante e, esse poema que parece simples (na verdade é), mas há uma simplicidade figurada, rebuscada; o autor está querendo demonstrar a pessoa que está tomada por um sentimento tal que ela não consegue dizer outra coisa a não ser ‘eu te amo’.
É isso, certo? Dito de uma maneira mais elegante, mais interessante, mas é a demonstração da simbologia feminina no campo da paixão amorosa através da repetição, que chega a ser cansativa, mas, não para ela que está amando... Todos querendo dizer: - Tire isso da cabeça! Mas não dá.
Novidade em relação à outra cantiga? Nós temos o refrão distanciado e onde é que fica aí a confidente – que é uma característica da cantiga de amigo? Lembram-se da outra cantiga? “Quantas sabedes...” está confidenciando com as companheiras, para irem com ela até Virgo, que é o mar levado. Então normalmente a alma ou a mentalidade feminina quer desabafar, a mulher precisa contar para outra que pode ser uma amiga, às vezes a mãe e outras vezes é um pinheiro...
Há um poema famoso em que a moça conversa com um pinheiro, que é alto e, por isso ela pede notícias a ele que, lá de cima, deve enxergar onde estará o amor dela (e o pinheiro responde). Isso acontece com as pessoas que estão isoladas e sempre acham com quem conversar. Normalmente é uma amiga, mas, aqui não aparece. Como eu disse é um poema ousado em que ela se propõe a seguir o amado seja lá quais forem as consequências, e fala diretamente com o amado – não fala propriamente só sobre ele: “pera levar [des] a Virgo”, isto é: ‘estou aqui para que vós me leveis’ – por isso ela passa por cima da confidente. 
Ela é uma pessoa que está sofrendo pelo amor? Não. Ela não quer sofrer pelo amor - ela quer ir com ele para saciar o seu amor.



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